Bairro Sagrada Família conta sua história

Por Roberto Mota, Geraldo Valle com a participação do leitor João Carlos

Nos seus primeiros tempos, o bairro Sagrada Família ficava plantado a beira do “Córrego da Mata”, hoje canalizado, sob a moderna e movimentadíssima avenida Silviano Brandão. Sagrada Família começava com o presépio do Pipiripau, quase debruçado à margem do córrego. A esse presépio, se chegava através de uma pinguela de pau e estreita. 

Isso foi o princípio do bairro, que ia subindo morro acima, acompanhando a velha rua Conselheiro Lafaiete, única existente na época. Tempos depois, o novo bairro passou a subir pelas ladeiras da rua General Carneiro, a mais larga e a melhor arborizada.

Todas as pessoas do bairro desciam o morro para pegar o bonde do Horto, que subia e descia a rua Pouso Alegre, em busca da saudosa e ensombrada de árvores, a Praça Sete. Este velho bonde rodava pela avenida do Contorno, viaduto da Floresta, rua Caetés e, assim como o bonde de Santa Tereza que passava sobre o viaduto de Santa Tereza subindo a rua da Bahia, para alcançar o Centro, no seu abrigo, junto ao Parque Municipal. 

O bairro possuía alguns automóveis que muito atendia aos seus usuários e que era a expressão da classe e do poder econômico da época. Hoje, como toda Belo Horizonte, o bairro convive com o crescimento conturbado da especulação imobiliária. Mas, muito ainda pode ser visto da saudosa comunidade, como o bar do Badaró, do Cici e da antiga padaria do Sr Mazzilo na praça Nilo Peçanha. O bairro continua um excelente lugar para se morar e amizade ainda prevalece. 

Origem 

O bairro Sagrada Família começou a ser povoado no início do século XX, com a fazenda do Sr. Altamiro Corrêa que, posteriormente, demarcou os lotes e vendeu cada unidade por 400 mil réis, em prestações de 50 mil réis por mês. Foi na administração do então prefeito da época, Otacílio Negrão de Lima, que esta fazenda foi transformada em loteamento. Os nomes de algumas ruas como João Gualberto Filho, Stela de Souza, Genoveva de Souza e outras mais, são em homenagem a familiares de João Gualberto, um dos primeiros moradores do bairro. 

Nome atual  

Primeira versão 

Sugerido por Maria Brasilina, mulher de João Gualberto, em 1913, o presépio do Pipiripau foi montado peça por peça pelo seu criador o que levou tempo para sua finalização, hoje, exposto na antiga fazenda do estado, na Av. José Candido da Silveira, o que inspirou Maria Brasilina a sugerir a troca de nome para Sagrada Família.  

Segunda versão 

De acordo com alguns moradores, no início da década de 40, o padre Alemão Idelfonso Beu, construiu a igreja da Sagrada Família e resolveu mudar o astral da vila, que era considerada uma periferia perigosa e procurada para trabalhos de magia negra, escolhendo um nome católico.   

Divisão Geográfica 

O bairro era formado por três fazendas: Fazenda de Juca Cândido (Lajinha), Fazenda de João Carlos e a Fazenda Maria Brasilina (parte das terras doada pelo seu pai João Carlos). Dentro da Fazenda Maria Brasilina, foi criada pequenas vilas como: São João, Reunidas e Lili. 

Religião 

A primeira missa foi celebrada pelo Monsenhor da igreja da Floresta, na primeira capela do bairro, rua João Carlos, esquina com rua Conselheiro Lafaiete. A pedra fundamental da igreja da Sagrada Família está localizada entre a igreja velha (hoje, salão de festas) e a casa paroquial, onde documentos foram colocados dentro da cavidade esculpida na pedra. Por solicitação dos moradores, foi colocada uma cruz na rua São Lázaro, quase esquina com a rua São Luiz, onde se realizavam as missas aos domingos. Não podemos esquecer também, que na praça Nilo Peçanha, foi implantado o Cruzeiro representativo para o bairro Sagrada Família, donde fora erguido a nova igreja católica do bairro em forma de uma estrela. Hoje no local se encontra o EPA Supermercados e o que restou da igreja foi fragmentado em pedaços e, uma das partes, se encontra na igreja Sagrada Família, transformado em crucifixo. O padre Idelfonso muito se destacou pelos trabalhos realizados, mas saiu da paróquia alegando estar sendo caluniado e injustiçado. 

A Paróquia Nossa Senhora da Glória e a Sexta Igreja Presbiteriana contribuíram muito para valorizar as páginas religiosas da história do bairro. 

Curiosidades 

Entre as ruas Conselheiro Lafaiete e rua Pitangui, havia uma porteira e a seqüência da rua era apenas uma trilha. 

A casa de jogo de bicho era explorada pelo Sr. Victor e “Coração” seu irmão. 

Às quintas-feiras e aos domingos, jovens se reuniam na casa do Sr. Raul então morador da rua Costa Monteiro para um sarau, onde surgiram vários casamentos. Não podendo esquecer os bailes na Filarmônica (casa de dança) que se localizava entre o bairro Sagrada Família e Horto Florestal. 

A avenida Petrolina era um córrego, hoje canalizado, onde se pescavam traíras, bagres e piabas. 

Eram tantas as biquinhas no bairro que a maioria das donas de casas lavava suas roupas e colocavam a conversa em dia numa total interação de pura amizade e respeito. 

Faltava o conforto dos dias atuais para aquelas senhoras. Hoje é tudo mais fácil com a água canalizada. Mas não faltava disposição em carregar latas na cabeça. A Biquinha localizada na rua Abílio Machado com avenida Petrolina é uma das remanescentes dessas biquinhas e a qualidade da água é frequentemente analisada. 

No conjunto de apartamentos entre as ruas São Luiz e São Marcos, próximo a construção da Academia Forma Física, havia campos famosos “Campos da Grota” o Brasilina e Republicano, hoje Praça Vereador Antônio Menezes. 

A pedreira no “Buracão” empregava muita gente e ficava situada no meio da rua Volta Grande e no caminho da rua João Carlos existia uma ponte para fazer o cruzamento com a rua Conde Ribeiro do Vale. 

Também muito famosa era a lagoa no terreno Sr. Alfonsus Guimarães, muito conhecida, que fazia divisa entre o bairro Sagrada Família e a região que hoje conhecemos como Cidade Nova, que naquela época era um terreno acidentado por barrancos e possuía Mata Atlântica, conhecida por Fazenda do Estado ou Instituto Agronômico. 

A formação educacional na época acontecia apenas no Grupo Escolar Helena Pena, a primeira escola do bairro, fundada em 1945. 

Nos anos 50, o futebol, já consagrado como esporte favorito dos belo-horizontinos, ganhou força com a construção do Estádio Independência. 

A grota, como era conhecida pelos moradores, foi o ponto alto da história do bairro. Times conhecidos como: Novo Horizontino, Lafaiete, Ideal, Ponte Preta, São Carlos, João Carlos, Maravilha, Cruzeirinho, Brasilina, Palmeiras, Gráfica, Oriental, Estrelinha, Lunense, Meridional, Independente, Republicano e outros, estão guardados na memória dos antigos moradores. 

Em 1958, foi inaugurado o Cine Casbah, o primeiro e único no bairro Sagrada Família, localizado na rua Genoveva de Souza, 975. 

A alegria das manifestações culturais e as festanças de ocasião eram por conta da Escola de Samba Unidos da Brasilina e as congadas do Sr. Galdino e do Sr. Alberto dos Santos. 

Havia no bairro também blocos caricatos, como os Bocas Negras, os Lordes, entre outros, cujos ensaios eram feitos na praça Nilo Peçanha. 

Esses blocos contribuíram para o sucesso do carnaval de Belo Horizonte juntamente com as escolas de samba que exibiam suas marchinhas através do compositor Sr. Athaide Machado. 

O transporte coletivo era feito pela Viação Vitória até a Pracinha Nilo Peçanha e Lotação Jardineira que era dirigida pelo motorista Zezinho que ia até a rua que hoje se chama Godofredo de Araújo. O famoso Guarda-Louça era o nome do ônibus da linha Vitória. 

Os carros de praça (táxis) eram do Sr. Augusto, Dedé e José Prata. 

Com o tempo, outros moradores foram chegando, pessoas que a memória guarda profundamente. São muitas as lembranças, tudo com seu tempo marcado na história!