DISTRIBUIÇÃO: SAGRADA FAMÍLIA, HORTO E REGIÃO

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Os guardados da memória

A memória, esse baú incrível, faz a seleção do que quer e de como quer guardar as lembranças da gente. Remexendo no meu baú, revisitei lembranças do tempo em que a Avenida Petrolina deixou de ser um caminho, uma travessia, uma aventura, e passou a ser uma possibilidade de mais um lugar para se construir casas, prédios e dar vazão ao trânsito de pessoas e de veículos diversos.

Ali, existia um córrego com peixinhos e sapinhos. Crianças e adultos “pescavam” naquele lugar. Para as missas de domingo na igreja católica do Horto, quem morava do lado contrário ao da igreja, precisava atravessar a pinguela sobre o córrego. Anos e anos foi assim. Eu me lembro muito bem, que naquela época, para se chegar até o alto do Sagrada Família, onde hoje é cheio de prédios: Ruas Santo Agostinho, São Joaquim, São Roque, Itacoatiara, Alegrete, Cabrobró e outras, era uma grande aventura. A urbanização alí, só foi ampliada lá pela década de 70.

O Campo do Grota, na Rua Cabrobró, era disputadíssimo pelos times de várzea. Nos domingos, eu ouvia os irmãos e seus amigos combinando disputas de campeonatos ou mesmo, “peladas” no disputado local. Na minha cabeça, os times faziam verdadeiras viagens de desbravamento pela mata selvagem do bairro proibido, até chegarem ao campo. Meus pais não deixavam as meninas irem ao alto do Sagrada Família sem boas e confiáveis companhias. Era muito perigoso! Uma fagulha de memória me acorda um fato desses tempos; na época de natal era comum os jovens, homens, irem onde hoje é a Avenida José Cândido da Silveira e redondezas do bairro Sagrada Família/ Cidade Nova, cortar galhos de pinheiros e de outras árvores para os arranjos natalínos. Naquela época era comum cobrir as árvores com algodão para enfeitar as casas e esperar o Papai Noel. É assim que as histórias vão saindo do meu baú… Um entrelace particularíssimo de fagulhas recheadas de fantasia e realidade sobre os fatos vividos ou revelados pelos comuns à minha vida no bairro.

Uma passagem interessante recordada sobre os tempos da “Petrolina-Córrego” é a da Mercearia do Nacif, ali na esquina da rua São Felipe com Rua João Carlos; dá até água na boca lembrar o delicioso picolé de groselha, cilíndrico, vermelho e docinho, docinho… Eu e a meninada que buscava água na bica da Petrolina, ou atravessávamos a pinguela para irmos ao catecismo na igreja do horto, juntávamos moedas para comprar o sonhado picolé de groselha. Verdadeiro sonho que ia se desfazendo no sabor, na cor e na forma, mas que alimentava com simplicidade corpo e alma daquelas crianças… Outros visitantes dessa memória dos sabores me vem junto com a groselha; “Amendoim, torradim”…”Amendoim, torradim”… Nos finais de tarde, vestido com seu terno branco e seu chapéu estilo Panamá e se não me falha a memória, sem uma das mãos, lá vinha o torradim: homem negro de voz forte, vendendo o seu amendoim. Era bem na hora do lusco- fusco, hora em que o dia dava lugar para a noite e abria espaço para a lua e suas fase, as estrelas e seus mistérios… Amendoim torradim… Chego a sentir o cheiro daquele amendoim torrado, guardado em papel e aquecido na lata com brasa… Ah, memória, memória… Os pirulitos enrolados no palito. Os beijus vendidos nas latas azuis em formato de cilíndros, anunciados pela matraca. Mexe que mexe, encontro no fundo do baú, um tempo não mensurado em que a mulher papuda passava na rua vendendo dobradinha em latas carregadas na cabeça sobre rodilhas de pano. Ela vinha anunciando o seu produto pela rua a fora. Equilibrava a lata na cabeça sem segurar com as mãos. Um pano branco cobria a boca da lata. Minha mãe era freguesa dessa mulher. Elas já sabiam de antemão o que vender e o que comprar. O pedaço preferido pela minha mãe,era mostrado com orgulho pela mulher de papo. Minha mãe examinava-o com mãos, olhos e nariz, numa investigação minuciosa e só depois aceitava o produto. Pagava o devido e depois era só esperar pelo prato de dobradinha com batata ou com feijão branco no almoço do outro dia. Dava um trabalhão danado preparar a tal dobradinha… Hoje já não faço mais dobradinha em casa. A moçada não aprecia.Essa mesma mulher vendia laranja da terra descascada e cortada em fatias para fazer doce. Ainda, naquela vendedora ambulante podia-se comprar um delicioso licor de pequi dos deuses. Eu adorava quando minha mãe comprava o licor. Ele era amarelo e cheiroso. Minha mãe deixava eu tomar um pequeno gole e era muito, muito gostoso. Que saudade!… E a Avenida Petrolina? Pois é, conversando recentemete com um vizinho aqui da Rua Pitangui, O Tião Cineasta, apaixonado pelo Guimarães Rosa, ele me contou sobre a escolha do nome da avenida. Era para ser, Avenida Brasilina em homenagem ao antigo nome do bairro: Vila Brasilina, mas o encarregado do projeto de nomeação se confundiu e lascou um Avenida Petrolina… Outra que fiquei sabendo foi sobre a água tão disputada na fonte da avenida: diz que ali, foi construído um poço artesiano, na época da falta d’água e que é desse poço que sai a tão querida água de Petrolina… O certo é que águas rolam por debaixo da avenida. Nosso bairro tem vários pontos escondidos de minas d’água. O acelerado do tempo mostra hoje uma paisagem urbanizada de acordo com as necessidades atuais, mas as lembranças, essas, não se apagam e certamente viajam de vários modos na cabeça de cada morador do Sagrada Famílias nascidos e criados nas décadas de seu começo. A vida segue em frente e isso é fato. Mas recordar nos ajuda a seguir cantando nossa história e nos orgulhar de fazermos parte desse bairro tão querido.

 

Madu Costa

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